19.9.08

"São Martinho do Porto", por Isabel Xavier

O cinema era na "rua do cinema", (havia a rua do cinema, tal como havia a rua dos cafés) e eu tive grande pena quando o demoliram. Mais ou menos como nas Caldas, com o Ibéria, que também não tinha grandes condições... Também eu, os meus irmãos e amigos íamos sempre para a geral. Só iam para a plateia os velhos e ir para lá seria um desprestígio para qualquer um de nós.

Em Setembro, então, S. Martinho era algo de inesquecível e o cinema ganhava particular relevância: apanhávamos limo, o que nos dava imenso trabalho, que púnhamos a secar na casa da Salette e íamos vendê-lo às cavalariças, só para ter dinheiro para ir ao cinema! Era muito mais como o "Cinema Paraíso" do que se pode pensar e, desculpem-me a ousadia, mas aquele pormenor que o Jales conta de passarem a segunda parte antes da primeira parece-me ser prova disso mesmo.

Nunca gostei de frequentar a praia da Foz - gosto de lá ir de Inverno - porque me parece que vou a andar pela rua das montras, mas em fato de banho, o que não me parece grande vantagem. Por isso mesmo, penso que as pessoas que iam a essa praia também olhavam umas para as outras, e talvez ainda com mais insistência, por se conhecerem de todo o ano.

Hoje não vou a nenhuma destas praias, mas por razões diferentes: à Foz pelas de sempre e ainda porque o banho lá é tramado, a S. Martinho pela nostalgia que me causa o facto de os meus pais já lá não poderem estar, como sempre estiveram, durante toda a vida, nos meses de Verão.

Já agora, a vida nocturna na Foz seria mais recomendável do que a de S. Martinho, naquele tempo?

Aqui nas Caldas sempre tiveram uma "dorzinha de cotovelo" pela frequência de elite que S. Martinho apresentava naquele tempo.

Aquela paisagem era (e é) linda, os passeios à capela de Santo António, memoráveis, os horários rígidos do banho, a compra dos bolos à Rosa, à Natália, à Iracema, a manutenção dos vizinhos de barraca durante uma vida inteira, a ida nocturna à rua dos cafés, com a indumentária apropriada a cada ocasião (de manhã roupão de praia, à tarde saia de praia, à noite toilettes mais sofisticadas), faziam de cada dia um ritual e isso é muito mais importante do que pode parecer à primeira vista.

Tudo isso se perdeu... S. Martinho era das poucas praias que, na nossa zona, tinha uma atmosfera própria, inconfundível e que quem lá ia não dispensava ano após ano.


Isabel Xavier


publicado no blog "Externato Ramalho Ortigão - Antigos Alunos"

4 comentários:

Ana Luisa disse...

Costumo ler sempre os texts do JJ no blogue do Externato Ramalho Ortigão, não sabia que ele colaborava também noutros blogues da região.
Texto muito divertido,uma visão de S. Martinho há quarenta anos cheia de humor.
Parabéns!

Unknown disse...

Parece-me uma excelente ideia publicar estes tipos de posts que retratam vivências de S. Martinho que já desapareceram. Com mais ficção e humor o do João Jales, com mais descrições, mais jornalístico o da Isabel. Parabéns aos autores e ao blogue!

Luis Eme disse...

e eu sempre gostei mais da Foz, que de S. Martinho...

desde pequeno que não achava piada à areia demasiado fina de S. Martinho, que se colava ao corpo, e gostava mais do Mar da Foz, que era um bravo...

nunca me apercebi da "passagem de modelos", porque tinha mais em que pensar e divertir, na infância e adolescência... mas conhecendo os caldenses, a Isabel deve ter alguma razão...

jorge disse...

Conheci bem as duas praias. O "bidé das marquesas" era uma bonita praia mas não tinha comparação com a Foz,onde havia o mar, a lagoa, as rochas...Eram 3 praias numa.
E não havia passagem de modelos na Foz e sim em S. Martinho!O JJ conta isso num outro Post que foi também aqui reproduzido.